segunda-feira, 8 de fevereiro de 2016

Solus Christus


Por Romero Lobo

SolusChristus, ou somente Cristo, é o ensinamento de que Cristo é o único mediador entre Deus e a humanidade, e que não há salvação através de nenhum outro. Esse conceito às vezes é apresentado também, como o ablativo Solo Christo (Cristo sozinho) que, em ambos os casos, significa que a salvação é conseguida somente por intermédio deJesus Cristo.

Jesus Cristo é, então, o único e suficiente salvador e mediador entre Deus e a humanidade. Como está descrito em Atos 4:12: “Não há salvação em nenhum outro, pois, debaixo do céu não há nenhum outro nome, dado aos homens, pelo qual devamos ser salvos”. A centralidade de Cristo é o fundamento da fé protestante. Martinho Lutero disse que Jesus Cristo é o “centro e a circunferência da Bíblia”, o que significa dizer que quem ele é e o que ele fez por meio de seu nascimento, morte e ressurreição, são o conteúdo fundamental da Escritura.

Todavia, é preciso ressaltar que, ao rejeitar todos os outros mediadores entre Deus e a humanidade, no início, o luteranismo clássico continuava honrando a memória de Maria, mãe de Jesus, e de outros santos exemplares. O que este princípio rejeitava era o sacerdotismo, a crença de que não existem sacramentos da igreja sem os serviços de sacerdotes ordenados por sucessão apostólica, sob a autoridade do papa.

Os protestantes eram contrários aos dogmas católicos relativos ao Papa, como representante de Cristo e chefe da Igreja sobre a terra; atacavam o conceito de mérito por obras e a ideia de um tesouro vindouro por causa das boas ações. Neste sentido, os reformadores acreditavam que a salvação pelas obras é uma negação da suficiência do sacrifício de Cristo pela salvação de todos os que crerem na sua Palavra, uma negação do plano geral de redenção divino.

Martinho Lutero pregava o "sacerdócio geral dos batizados", que mais tarde foi modificado no luteranismo e na teologia protestante clássica para "sacerdócio de todos os crentes". Esse conceito ratificava a necessidade de funções específicas no “Ministério Sagrado”, para as quais estavam separadas a proclamação pública do Evangelho e a administração dos sacramentos, porém se opunha à posição católica, que reservava esta função e garantia o título de padre (latim: sacerdos) exclusivamente para o clero da Igreja Romana.

Por exemplo, Lutero, em seu Catecismo Menor, falava sobre o papel do "confessor" na absolvição sacramental a um penitente. A seção conhecida como "O Gabinete das Chaves" atribuía aos Ministros de Cristo, “chamados e ordenados servos da Palavra", o ligar e o desligar da absolvição e excomunhão por meio do Ministério da Lei e Evangelho, definidas na fórmula luterana da santa absolvição: o sacerdote perdoaria os pecados dos penitentes, dizendo as palavras de perdão: "seus pecados estão perdoados" (como em Lucas 7:48), mediante o arrependimento e a fé do penitente na redenção que há em Jesus Cristo.

Neste sentido, para Lutero, o sacerdote deveria funcionar não como um intercessor ou mediador de Deus, mas como servo da Sua Palavra, Seu instrumento, atuando em nome e por comando do Senhor Jesus Cristo, como prevê João 20:23a: “Se perdoarem os pecados de alguém, estarão perdoados”. Esta absolvição reconcilia o arrependido diretamente com Deus, sem a necessidade de mediação e sem a imposição de qualquer outra ação, indulgência, penitência ou satisfação, além do sacrifício redentor de Jesus.

Embora essa discussão sobre quem deve administrar os sacramentos e que papel o sacerdote deve desempenhar possa parecer por demais mundana e humanista, a discussão sobre o Solus Christus não deve ser diminuída. Mais uma vez, o que está em jogo aqui é a questão da suficiência do sacrifício de Cristo no plano geral de redenção divino e Sua condição de único e suficiente salvador e mediador entre Deus e a humanidade.

Nesta questão, aproveitando uma perspectiva que os reformistas utilizaram, que pode ser rastreada por todo o caminho de volta aos escritos de Eusébio de Cesaréia, no século IV, pode ser útil pensar a respeito de Jesus como Cordeiro, Profeta, Sacerdote e Rei. A Confissão Batista de Londres de 1689, por exemplo, coloca esse conceito da seguinte maneira: “Cristo, e somente Cristo, está apto a ser o mediador entre Deus e o homem. Ele é o profeta, sacerdote e rei da igreja de Deus”, mas este texto dá um passo além, considerando Jesus também como cordeiro.

Cristo, o Cordeiro

A partir da leitura dos capítulos 1 a 3 da Carta aos Romanos, pode-se perceber claramente que Deus tem se manifestado a toda e em toda a criação, mesmo além da obra salvadora em Cristo. Paulo declara em Romanos 1:20a: “Pois desde a criação do mundo os atributos invisíveis de Deus, seu eterno poder e sua natureza divina, têm sido vistos claramente, sendo compreendidos por meio das coisas criadas”.
Todavia, mais à frente, Paulo afirma que nenhuma porção de teologia natural pode unir Deus e o homem, principalmente porque, como em Romanos 3:10, “não há nenhum justo, nem um sequer. Não há ninguém que entenda; ninguém que busque a Deus. Todos se extraviaram e juntamente se fizeram inúteis”.

O apóstolo então nos revela definitivamente o “mistério que desde tempos eternos esteve oculto” e que foi sendo progressivamente dado a conhecer pelos escritos dos profetas (Romanos 16:25,26),que o único caminho para a vida eterna se dá por meio da graça de Deus, mediante é a fé em Cristo:

“Mas agora se manifestou uma justiça que provém de Deus, independente da Lei, da qual testemunham a Lei e os Profetas, justiça de Deus mediante a fé em Jesus Cristo para todos os que creem. Não há distinção, pois todos pecaram e estão destituídos da glória de Deus, sendo justificados gratuitamente por Sua graça, por meio da redenção que há em Cristo Jesus”. Romanos 3:21,24

Ora, tendo sido justificados por essa fé, temos paz com Deus, por meio do sacrifício de Jesus, que morreu em favor de todos os pecadores. De modo que “sabemos que, tendo sido ressuscitado dos mortos, Cristo não pode morrer outra vez: a morte não tem mais domínio sobre ele. Porque, morrendo, ele morreu para o pecado uma vez por todas; mas, vivendo, vive para Deus” Romanos 6:9,10.

A doutrina Solus Christus reconhece que Jesus Cristo é, então, “O Cordeiro de Deus que tira o pecado do mundo” (João 1:29b), o sacrifício necessário, suficiente e definitivo para a salvação de todos os que Nele professam a sua fé.

Cristo o Profeta

Na Carta aos Hebreus 1:1, o autor revela que “Havendo Deus antigamente falado muitas vezes, e de muitas maneiras, aos pais, pelos profetas, a nós falou-nos nestes últimos dias pelo Filho”. Cristo é, portanto,o Profeta definitivo, que revela as verdades de Deus para curar as pessoas de sua cegueira e ignorância. O Catecismo de Heidelberg o chama de “nosso principal Profeta e Mestre, que nos revelou totalmente o conselho secreto e a vontade de Deus a respeito da nossa redenção”.

Neste sentido, Jesus é o profeta prometido no Antigo Testamento – “O Senhor, teu Deus”, Moisés prometeu em Deuteronômio 18:15, “te suscitará um profeta do meio de ti, de teus irmãos, semelhante a mim; a ele ouvirás” – e consumado no Novo Testamento – como em Mateus 17:5b: “este é meu filho amado, em quem me comprazo; escutai-o”.

Como o Profeta, Jesus é o único que pode nos revelar a verdadeira face de Deus e o que Ele tem planejado na história “desde a fundação do mundo”, como o próprio Jesus explica em Lucas 10:22, “tudo por meu Pai me foi entregue; e ninguém conhece quem é o Filho, senão o Pai, nem quem é o Pai, senão o Filho e aquele a quem o Filho o quiser revelar”.

Assim, o Jesus Profeta também revela o real significado do mistério presente nas escrituras dos profetas, de modo que a salvação e a progressão na vida cristã se dão somente pelo conhecimento e proclamação de sua mensagem redentora, para que todas as pessoas em todas as nações venham a crer Nele e a obedecer-Lhe (Romanos 16:25,26).

Em linha com o ensinamento Solus Christus, Jesus é, então, o Profeta portador desse novo testamento, que prega a salvação pela graça, para todos que nela crerem, mensagem essa testificada por Deus por meio de sinais, maravilhas e milagres. Como está escrito em Hebreus 2:3-4:

“Como escaparemos, se negligenciarmos tão grande salvação? Essa salvação, primeiramente anunciada pelo Senhor, foi-nos confirmada pelos que a ouviram. Deus também deu testemunho dela por meio de sinais, maravilhas, diversos milagres e dons do Espírito Santo distribuídos de acordo com a sua vontade”.

Cristo, o Sacerdote

Nos tempos de Jesus, o sacerdote era o responsável de oferecer sacrifícios dia após dia, propiciando remissão primeiro por seus próprios pecados e, depois, pelos pecados do povo. Neste sentido, Jesus é o sacerdote permanente, pois Ele, que era inocente, puro e santo, ofereceu o sacrifício definitivo, oferecendo a si mesmo, e agora, tendo ressuscitado, vive para sempre, exaltado acima dos céus. Portanto, Ele e somente Ele, é capaz de salvar definitivamente aqueles que, por meio dEle, se aproximam de Deus, pois vive sempre para interceder por eles (Hebreus7:24-27).

“Todos pecaram e estão destituídos da glória de Deus”, afirma o apóstolo Paulo na Carta aos Romanos (3:23). Porém, o apóstolo também declara que: “por meio da obediência de um só, muitos se tornarão justos” (5:19b); e que “nós, quando inimigos, fomos reconciliados com Deus mediante a morte do seu Filho” (5:10a). Deste modo, nas palavras da Confissão Batista de Londres de 1689, “por causa do nosso afastamento de Deus e da imperfeição de nossos melhores serviços, precisamos do ofício sacerdotal de Jesus para nos reconciliar com Deus e nos tornar aceitáveis por ele”.

Paulo também nos alerta que “na minha carne, não habita bem algum; e, com efeito, o querer está em mim, mas não consigo realizar o bem. Porque não faço o bem que quero, mas o mal que não quero, esse faço. Ora, se eu faço o que não quero, já o não faço eu, mas o pecado que habita em mim” (Romanos7:18–20). Porém, se o pecado habita em nós, Paulo também destaca a nossa necessidade do ofício sacerdotal de Jesus, assinalando que “agora, nenhuma condenação há para os que estão em Cristo Jesus, que não andam segundo a carne, mas segundo o espírito. Porque a lei do Espírito de vida, em Cristo Jesus, me livrou da lei do pecado e da morte” (Romanos8:1– 2).

Dessa maneira, Jesus Cristo, como diz o Catecismo de Heidelberg, “pelo sacrifício de Seu corpo, nos redimiu, e faz contínua intercessão junto ao Pai por nós”. Este sacrifício ocorreu apenas uma vez e apenas uma vez era necessário, pois Jesus “havendo oferecido um único sacrifício pelos pecados, está assentado para sempre à destra de Deus” (Hebreus 10:12), ondeJesus continua sendo o grande Sumo Sacerdote, aquele por meio do qual toda a oração e louvor são feitos aceitáveis a Deus.

Nos lugares celestiais, Ele continua sendo o constante intercessor e advogado dos crentes perante Deus.Hebreus 2:17-18 declara que:

“Por essa razão era necessário que ele se tornasse semelhante a seus irmãos em todos os aspectos, para se tornar sumo sacerdote misericordioso e fiel com relação a Deus e fazer propiciação pelos pecados do povo. Porque, tendo em vista o que ele mesmo sofreu quando tentado, ele é capaz de socorrer aqueles que também estão sendo tentados”.

Já o texto em Romanos 8:34 lembra: “quem os condenará? Foi Cristo Jesus que morreu; e mais, que ressuscitou e está à direita de Deus, e também intercede por nós”. Não é de se admirar, portanto, que Paulo diga que toda a glória deve ser dada a Deus “por meio de Jesus Cristo, pelos séculos dos séculos” (Romanos 16:27).

O conceito Solus Christus então nos ensina que o gozo de nos achegarmos a Deus pode crescer apenas por uma confiança profunda em Jesus Cristo, como sacerdote propiciador do sacrifício e intercessão definitivos.

Cristo, o Rei

Jesus Cristo, finalmente, é o Rei dos Reis, o Senhor dos Senhores, aquele que regerá sobre as nações com vara de ferro (Apocalipse 19:15,16). Ele reina sobre sua Igreja por meio do Espírito Santo (Atos 2:30-33) e soberanamente concede o arrependimento ao impenitente e o perdão ao culpado (Atos 5:31). Cristo é, segundo o Catecismo de Heidelberg, “o nosso Rei eterno que nos governa por sua Palavra e Espírito, e que defende e preserva-nos no gozo da salvação que ele adquiriu para nós”.

O papel de um rei é governar um reino. Desse modo, ele tem poder para comandar as forças militares, criar leis, julgar matérias importantes, apontar oficiais e responder pela prosperidade da nação. Jesus exerce justamente este papel no Reino de Deus. Como Ele mesmo disse: “É-me dado todo o poder no céu e na terra” (Mateus 28:18). Efetivamente, Deus Pai “sujeitou todas as coisas a Seus pés, e sobre todas as coisas O constituiu como cabeça da igreja” (Efésios 1:22).

É assim então que, no plano geral de redenção divino, Jesus é o Príncipe de Deus, o filho da mulher, que na nova criação, ferirá a cabeça da serpente (Genesis 3:15) e levará sua herança a um reino de eterna luz e amor. Como legislador, Jesus estabelece a lei do Espírito de vida, que nos “livrou da lei do pecado e da morte” (Romanos8:2b) e, como juiz, há de julgar os vivos e os mortos, na sua vinda e no seu reino (2ª Timóteo 4:1b). Como Rei, Ele nos diz, aos seus súditos, que nesse mundo passaremos aflições, mas nos incentiva ter bom ânimo, pois Ele venceu o mundo (João 16:33) e estará conosco todos os dias até a consumação dos séculos (Mateus 28:20b).

Neste sentido, a salvação só acontece em Jesus, o Rei, pois todas as coisas lhe foram entregues por Deus Pai, e “ninguém conhece o Filho, senão o Pai; e ninguém conhece o Pai, senão o Filho e aquele a quem o Filho o quiser revelar” (Mateus11:27). Pode-se, então, concordar com João Calvino, quando diz:

“Nós podemos passar pacientemente por esta vida com sua miséria, frieza, desprezo, injúrias e outros problemas — satisfeitos com uma coisa: que o nosso Rei nunca nos deixará desamparados, mas suprirá as nossas necessidades, até que, ao terminar nossa luta, sejamos chamados para o triunfo”. Ou, como diz o apóstolo Paulo:

“Não digo isto como por necessidade, porque já aprendi a contentar-me com o que tenho. Sei estar abatido e sei também ter abundância; em toda a maneira e em todas as coisas, estou instruído, tanto a ter fartura como a ter fome, tanto a ter abundância como a padecer necessidade. Posso todas as coisas naquele que me fortalece” (Filipenses4:11-13).
E, quando Ele vier em Sua glória, à frente de todos os santos anjos:

“Ele se assentará no trono da Sua glória; e todas as nações serão reunidas diante d’Ele, e apartará uns dos outros, como o pastor aparta dos bodes as ovelhas. E porá as ovelhas à Sua direita, mas os bodes à esquerda. Então, dirá o Rei aos que estiverem à sua direita: Vinde, benditos de meu Pai, possuí por herança o Reino que vos está preparado desde a fundação do mundo; porque tive fome, e destes-me de comer; tive sede, e destes-me de beber; era estrangeiro, e hospedastes-me; estava nu, e vestistes-me; adoeci, e visitastes-me; estive na prisão, e fostes ver-me. Então, os justos lhe responderão, dizendo: Senhor, quando te vimos com fome e te demos de comer? Ou com sede e te demos de beber? E, quando te vimos estrangeiro e te hospedamos? Ou nu e te vestimos? E, quando te vimos enfermo ou na prisão e fomos ver-te? E, respondendo o Rei, lhes dirá: Em verdade vos digo que, quando o fizestes a um destes meus pequeninos irmãos, a mim o fizestes. Então, dirá também aos que estiverem à sua esquerda: Apartai-vos de mim, malditos, para o fogo eterno, preparado para o diabo e seus anjos” (Mateus25:31-41).

A doutrina Solus Christus portanto, reconhece que Jesus Cristo, o Rei, é “o caminho, a verdade e a vida”; e ninguém vai ao Pai senão por Ele (João 14:6).

Nos Dias de Hoje

Uma pessoa somente pode crescer na vida cristã se viver pela fé, segundo a verdade do princípio SolusChristus: Jesus Cristo como único mediador entre Deus e a humanidade.

Essa é uma Verdade que, em dias de teologia pluralista e liberal, precisa urgentemente ser relembrada, pois ainda hoje hácristãos que,consciente ou inconscientemente, têm dúvidas se a salvação é realizada somente pela fé em Cristo. A doutrina da salvação pelas obras continua em voga, disfarçada de religiosidade e legalismo que condicionam a salvação e a remissão dos pecados à pratica de rituais, exercícios de fé e regras específicas de conduta.

 Além disso, um protestantismo cada vez mais liberal e moderno proclama a prosperidade absoluta e adora “um Deus sem ira, o qual trouxe homens sem pecado para um reino sem julgamento por meio de ministrações de um Cristo sem a cruz”. Um Evangelho de homens essencialmente bons e autossuficientes, que transformados pelo poder que há no nome de Jesus, são injustiçados pelo mal e não precisam da salvação, bastando apenas a providência abençoadora de Deus.

Este evangelho, no entanto, que contrasta irreconciliavelmente com o que Paulo nos afirma em Romanos 3.23: “todos pecaram e estão destituídos da glória de Deus”, e em Filipenses 3:10-14:

“Quero conhecer a Cristo, ao poder da sua ressurreição e à participação em seus sofrimentos, tornando-me como ele em sua mortepara, de alguma forma, alcançar a ressurreição dentre os mortos.Não que eu já tenha obtido tudo isso ou tenha sido aperfeiçoado, mas prossigo para alcançá-lo, pois para isso também fui alcançado por Cristo Jesus.Irmãos, não penso que eu mesmo já o tenha alcançado, mas uma coisa faço: esquecendo-me das coisas que ficaram para trás e avançando para as que estão adiante,prossigo para o alvo, a fim de ganhar o prêmio do chamado celestial de Deus em Cristo Jesus”.

Se você é um filho de Deus, Jesus Cristo em seu ofício como Cordeiro, Profeta, Sacerdote e Rei significará tudo para você. Ele é o Cordeiro, que foi sacrificado em propiciação por seus pecados; Ele é o Profeta, que lhe ensina o caminho e lhe revela a verdade; Ele é o Sacerdote,que conhece, entende, intercede por você e lhe abençoa; e Ele é o Rei, que o governa e o guia para levá-lo à vida eterna.




Romero Lobo é Coronel da Aeronáutica,
Mestrado em Ciências Políticas,
e autodidata em História das Religiões

sábado, 23 de janeiro de 2016

Sola Scriptura


Por Romero Lobo

Sola Scriptura é o ensinamento de que a Bíblia é inspirada por Deus e constitui-se na única e legítima fonte de regramentos de fé e conduta para o cristão. Este princípio sustenta que as Sagradas Escrituras não necessitam de interpretação alheia, o que contraria o pensamento da Igreja Ortodoxa, das Igrejas Orientais, da Igreja Copta, da Igreja Católica e do Anglo-Catolicismo, as quais pregam que as Divinas Letras só podem ser fielmente interpretadas por meio da Tradição Apostólica.

A intenção dos reformadores era a de corrigir aquilo que julgavam equivocado no catolicismo, por meio da unicidade da autoridade da Bíblia, de modo a abolir todos os dogmas proclamados pela Santa Sé depois dos primeiros cinco concílios ecumênicos. Neste sentido, os pensadores do protestantismo se baseavam na afirmação de Paulo constante da 2ª Carta a Timóteo 3.16, de que “Toda a Escritura é divinamente inspirada, e proveitosa para ensinar, para redarguir, para corrigir, para instruir em justiça”.

Para os reformadores, somente a Escritura Sagrada tem a palavra final em matéria de fé e prática. É o que ficou consubstanciado nas Confissões de Fé protestantes. A Confissão de Fé de Westminster, adotada hoje em dia por muitas Igrejas Presbiterianas e Reformadas, afirma:

“Sob o nome de Escritura Sagrada, ou Palavra de Deus escrita, incluem-se agora todos os livros do Velho e do Novo Testamento, ... todos dados por inspiração de Deus para serem a regra de fé e de prática...   A autoridade da Escritura Sagrada, razão pela qual deve ser crida e obedecida, não depende do testemunho de qualquer homem ou igreja, mas depende somente de Deus (a mesma verdade) que é o seu autor; tem, portanto, de ser recebida, porque é a palavra de Deus... O Velho Testamento em Hebraico... e o Novo Testamento em Grego..., sendo inspirados imediatamente por Deus e pelo seu singular cuidado e providência conservados puros em todos os séculos, são por isso autênticos e assim em todas as controvérsias religiosas a Igreja deve apelar para eles como para um supremo tribunal... O Juiz Supremo, pelo qual todas as controvérsias religiosas têm de ser determinadas e por quem serão examinados todos os decretos de concílios, todas as opiniões dos antigos escritores, todas as doutrinas de homens e opiniões particulares, o Juiz Supremo em cuja sentença nos devemos firmar não pode ser outro senão o Espírito Santo falando na Escritura”.

Nos movimentos de inspiração protestante considerados historicamente como fundamentalistas, como os anabatistas e puritanos, e outros surgidos durante o século XIX, esse princípio foi condensado no conceito NudaScriptura, afirmando que a Bíblia deveria ser entendida ao pé da letra, adotando-se o lema de que a "A Escritura interpreta a própria Escritura", e, como tal, seria "suficiente como única fonte de doutrina e prática cristãs" em todos aspectos.

Há que se dizer que o princípio Sola Scriptura não descarta por completo alguns aspectos relevantes da Tradição Apostólica, apenas postula que, quando há divergências entre esta e a Escritura, a última deve ter a primazia. A base desta doutrina é de que as escrituras são perfeitas, e que ninguém pode pôr outro fundamento além do que está proposto, o qual é Jesus Cristo, o Verbo de Deus. Desse modo, segundo Paulo, qualquer um que pregar outro evangelho, mesmo se for um anjo, seja anátema (maldito), ou, como João afirma em Apocalipse 22.18,19:
“Declaro a todos os que ouvem as palavras da profecia deste livro: Se alguém lhe acrescentar algo, Deus lhe acrescentará as pragas descritas neste livro. Se alguém tirar alguma palavra deste livro de profecia, Deus tirará dele a sua parte na árvore da vida e na cidade santa, que são descritas neste livro”.

A Igreja Católica Romana também aceita as Escrituras como a Palavra de Deus, porém não as considera como sendo a única Palavra de Deus. O catolicismo fundamenta sua doutrina sobre o tripé: Tradição Apostólica, Bíblia e Magistério. A Igreja Católica acredita que os postulados da Igreja, alcançados por meio dos seus concílios ou dos desígnios do papa, quando deliberam oficialmente em matérias sobre fé e moral, são igualmente a palavra de Deus. Esse conceito é o que se chama de Tradição da Igreja.

Essa autoridade concedida à Igreja baseia-se na comissão deixada por Jesus e descrita em Mateus 28.19,20, que na visão católica, deu à Igreja a tarefa de proclamar Sua Boa-Nova e que prometeu que Ele estaria sempre conosco, até o fim dos tempos, nos guiando para a verdade (João 16.13). Este mandato e esta promessa garantiriam que a Igreja jamais se desviaria dos ensinamentos de Jesus Cristo.

Decorre desta incapacidade da Igreja, em seu conjunto, de extraviar-se no erro com relação aos temas básicos da doutrina de Cristo, a questão da infalibilidade sacramental da Igreja, que é consubstanciada no Papa, homem que representa Cristo e possui o dom do Espírito da infalibilidade papal. Sobre esta questão, o Concílio Vaticano II ensina que esta infalibilidade, “da qual quis o Divino Redentor estivesse sua Igreja dotada, é a infalibilidade de que goza o Romano Pontífice, o Chefe do Colégio dos Bispos, em virtude de seu cargo, a infalibilidade prometida à Igreja, que reside também no Corpo Episcopal, quando, como o Sucessor de Pedro, exerce o supremo magistério".

Em oposição direta à questão da infalibilidade, a doutrina Sola Scriptura entende que a unção cristã é individual e suficiente para capacitar qualquer membro do corpo de Cristo a discernir a Palavra de Deus, revelada nas Escrituras. Neste sentido, a Bíblia deve ser acessível a todos e não ser reservada para uso exclusivo dos clérigos católicos, como era costume até então, que impediam o acesso dos comuns, para que não tivessem a oportunidade de, lendo, perceberem que havia grande contradição entre as Escrituras e os discursos e desmandos da cúria romana. Por esta razão, entre outras ações, Martinho Lutero traduziu o Novo Testamento para o alemão.

Além disso, com relação à infalibilidade do papa, os protestantes lembram os ensinamentos de Paulo no capítulo 3 da Carta aos Romanos, que diz que “todos pecaram e estão destituídos da glória de Deus” e que “não há nenhum justo, nem um sequer, que faça o bem”, de modo que ninguém será declarado justo baseando-se em seus próprios atos.

Por outro lado, desde o Concílio de Trento, o catolicismo contesta de maneira sistemática o ensinamento Sola Scriptura. Os religiosos presentes naquele concílio, contrários aos ensinamentos de Lutero, mantiveram-se firmes contra as interpretações individuais das Sagradas Escrituras, como descrito a seguir:
“Ademais, para refrear as mentalidades petulantes, decreta que ninguém, fundado na perspicácia própria, em coisas de fé e costumes necessárias à estrutura da doutrina cristã, torcendo a seu talante a Sagrada Escritura, ouse interpretar a mesma Sagrada Escritura contra aquele sentido, que [sempre] manteve e mantém a Santa Madre Igreja, a quem compete julgar sobre o verdadeiro sentido e interpretação das Sagradas Escrituras, ou também [ouse interpretá-la] contra o unânime consenso dos Padres, ainda que as interpretações em tempo algum venham a ser publicadas” (XIX Concílio Ecumênico, parágrafo 786).

Afirmam os católicos que a doutrina da Sola Scriptura, paradoxalmente, não consta nas Escrituras, sendo ela mesma uma invenção de Lutero, de modo que os protestantes criam não na Bíblia, mas na criação de um homem, o que estaria contrariando os ditames descritos em Jeremias 17.8: “Assim diz o Senhor: "Maldito é o homem que confia nos homens, que faz da humanidade mortal a sua força, mas cujo coração se afasta do Senhor””.

A Sola Scriptura, do ponto de vista católico, atentaria contra a lógica: nas Escrituras, não consta o que é a Bíblia, sendo assim, para se tentar compreender o que é a Bíblia, seria necessário sair das Escrituras, descumprindo assim a Sola Scriptura. Outro ponto de contradição, segundo a visão católica, é que nem tudo foi escrito nas Escrituras, como consta na própria Bíblia, na 2ª Carta de João 1.12: “Apesar de ter mais coisas que vos escrever, não o quis fazer com papel e tinta, mas espero estar entre vós e conversar de viva voz, para que a vossa alegria seja perfeita”.

Neste sentido, segundo a Igreja Católica Romana, existem preceitos neotestamentários, formulados por São Paulo, que ordenam aos cristãos a obediência à Tradição Apostólica, como no versículo 15 do capítulo 2 da 2ª Carta aos Tessalonissenses “Por isso, irmãos, fiquem firmes e mantenham as tradições que lhes ensinamos de viva voz ou por meio da nossa carta” ou no versículo 6 do capítulo 3 “Intimamo-vos, irmãos, em nome de nosso Senhor Jesus Cristo, que eviteis a convivência de todo irmão que leve vida ociosa e contrária à tradição que de nós tendes recebido”.

Os opositores da Sola Scriptura defendem ainda que tal doutrina não poderia, pela lógica, receber crédito, uma vez que todos os cristãos dos primeiros três séculos do cristianismo morreram sem conhecer uma Bíblia, cujo cânone só foi concluído em 393, pelo Concílio de Hipona. Eles alegam que, se fosse realmente a intenção de Cristo que seus seguidores obedecessem somente às Escrituras em detrimento da Tradição e do Magistério, Ele o teria dito, ou lhes deixaria uma Bíblia.

Contra esses sofismas católicos, pesam as próprias evidências históricas apresentadas pelos pensadores da Igreja Católica. Paulo pede que “fiquem firmes e mantenham as tradições que lhes ensinamos” em razão de ainda não haver, naquele tempo um Novo Testamento organizado ou mesmo escrito. Apesar de já existirem as Escrituras que hoje são conhecidas como Antigo Testamento, o Evangelho estava sendo revelado ao mesmo tempo em que a Igreja Primitiva crescia e se espalhava por meio das viagens missionárias de Paulo e dos esforços dos outros evangelistas. Assim foram sendo escritos os evangelhos sinóticos, o registro histórico dos atos dos apóstolos e as cartas destinadas aos cristãos distantes.

Esses escritos que hoje compõem o Novo Testamento, assim como os que compõem o Antigo Testamento, foram submetidos a escrutínio durante o Concílio de Hipona e achados conformes diante de uma análise eclética que os considerou divinamente inspirados e consistentes com a Palavra de Deus que foi revelada desde o livro de Gênesis. Neste sentido, considerou-se o que não constava desses escritos, não havia sido contemplado pela inspiração divina e, portanto, seria considerado irrelevante.

Ainda, conforme dito anteriormente, o conceito Sola Scriptura aceita alguns aspectos da Tradição Apostólicae interpretações pontuais das Escrituras, quando aquelas guardam de todo a coerência, convergência e consistência com relação aos preceitos destas, o que é o caso do Concílio de Hipona. Desse modo, aquele congresso acabou por definir a nova composição das Escrituras que, abrangendo tanto a Dispensação da Lei quanto a Dispensação da Graça, deveriam ser seguidas pela Cristandade.

Neste sentido, são válidas tanto a teologia sistemática quanto as pregações de púlpito, desde que a mensagem seja alinhada com os preceitos da Bíblia. Agora, a visão protestante afirma com a Sola Scripturaque todos os pregadores das Escrituras estãosujeitos a deslizes e erros, ao contrário da doutrina católica da infalibilidade sacerdotal. Pode-se, inclusive, dar como certo que em algum momento um dessespregadores, mesmo um dos membros da direção de uma das muitas igrejas evangélicas, vai cometer uma gafe doutrinária.

Além disso, o principal objetivo histórico da Sola Scriptura era o de garantir o direito individual de acesso ao texto sagrado, que a Igreja Católica, ao longo dos séculos, conforme a conveniência da manipulação das massas, retirou do leigo, isolando-o numa dependência da interpretação dirigida e casuísta da Cúria Romana.

Para evitar o desvirtuamento da mensagem, a Sola Scriptura prevê mecanismos que defendem o direito e, porque não dizer, o dever do cristão comum ler e meditar sobre as Escrituras, de modo que ele mesmo obtenha a revelação que valide a mensagem a ele pregada. Essa é a ideia que está por trás do costume protestante de sempre levar a Bíblia para a Igreja, para que se possa conferir a pregação do Pastor, como faziam os bereanos, e da necessidade de se testificar a mensagem pregada por meio do espírito, possuidor da revelação bíblica. Como descrito em Atos 17.10,11:
“Logo que anoiteceu, os irmãos enviaram Paulo e Silas para Bereia. Chegando ali, eles foram à sinagoga judaica. Os bereanos eram mais nobres do que os tessalonicenses, pois receberam a mensagem com grande interesse, examinando todos os dias as Escrituras, para ver se tudo era assim mesmo.”

De qualquer maneira, a Sola Scriptura se faz presente em todo o processo, pois, se assim for, as Escrituras terão fundamentado a fé e a conduta de todos quantos as tenham buscado.

Outra questão é aquela que Paulo alertou não só os Tessalonissenses, mas também aos Coríntios, Gálatas, Efésios, Filipenses e Colossenses, contra os ventos de doutrina que vinham tentar desviar os crentes do Evangelho que ele estava pregando. Como está escrito em Gálatas 1.6:
“Admiro-me de que vocês estejam abandonando tão rapidamente aquele que os chamou pela graça de Cristo, para seguirem outro evangelho que, na realidade, não é o evangelho. O que ocorre é que algumas pessoas os estão perturbando, querendo perverter o evangelho de Cristo. Mas, ainda que nós ou um anjo dos céus pregue um evangelho diferente daquele que pregamos a vocês, que seja amaldiçoado! Como já dissemos, agora repito: Se alguém anuncia a vocês um evangelho diferente daquele que já receberam, que seja amaldiçoado! ”.

Isso aconteceu em função de, tendo Paulo já pregado a Dispensação da Graça aos gentios, alguns convertidos de origem judia passarem pelas comunidades arregimentadas por Paulo para pregar uma volta ao legalismo, um retorno ao cumprimento da Lei mosaica, conforme está descrito em Atos 15.1,2:
“Alguns homens desceram da Judeia para Antioquia e passaram a ensinar aos irmãos: “Se vocês não forem circuncidados conforme o costume ensinado por Moisés, não poderão ser salvos”. Isso levou Paulo e Barnabé a uma grande contenda e discussão com eles. Assim, Paulo e Barnabé foram designados, com outros, para irem a Jerusalém tratar dessa questão com os apóstolos e com os presbíteros. ”

De igual modo, a Igreja Católica nos tempos da Reforma Protestante, reputando-os por incompletos e ilógicos, abandonou a pureza dos ensinos das Escrituras e utilizou a doutrina da Tradição Apostólica para construir e validar a cultura da salvação pelas obras. Em virtude da Reforma Protestante e como resultado da Sola Scriptura, com o tempo, foi devolvido o DIREITO e o PODER do cristão protestante de discernir as verdades da Palavra de Deus. Então esses DIREITO e PODER evoluíram para DEVER. Ou seja, o cristão protestante pode, precisa e deve se alimentar da Palavra de Deus, que o sustenta e protege de vãs ideologias e ventos de doutrina.

Ainda assim, o mesmo fazem os cristãos protestantes, nos dias atuais, sempre que abandonam o princípio da Sola Scriptura e permitem que os preceitos da Bíblia sejam alterados para acomodarem novos rituais, regras, sacramentos ou mandamentos criados em nome da tradição, da modernidade ou da religiosidade. 

É necessário uma vigília constante sobre a doutrinaSola Scriptura, Estaque é considerada o princípio formal da Reforma Protestante. O Evangelho de Jesus Cristo é portantoa fonte e a norma da Sola Fide(somente a fé), o princípio material da Reforma, e da Sola Gratia ("somente a graça"). Esse princípio indica que a Bíblia não está sozinha, longe de Deus, mas sim que é o instrumento pelo qual Deus se revela para a salvação pela fé em Cristo (SolusChristus). Como está escrito em Mateus 4.4: “Mas Jesus respondeu: Está escrito: Não só de pão viverá o homem, mas de toda a palavra que sai da boca de Deus”.

Para finalizar, Martinho Lutero, tido como fundador do protestantismo, resume a doutrina Sola Scriptura em uma única frase, proferida durante uma disputa teológica com Johann Meyer, em 14 de julho de 1519:
“Um simples leigo armado com as Escrituras é maior que o mais poderoso papa sem elas”.




Romero Lobo é Coronel da Aeronáutica,
Mestrado em Ciências Políticas,
e autodidata em História das Religiões

Sola Fide


Por Romero Lobo

Sola Fide é o ensinamento de que a justificação (interpretada na teologia protestante como "sendo declarada apenas por Deus") é recebida somente pela fé, sem qualquer interferência ou necessidade de boas obras, como Paulo afirma em Efésios 2.8, “Vocês são salvos por meio da graça, por meio da fé, e isto não vem de vocês, é dom de Deus”. Na teologia protestante clássica, essa fé salvadora é evidenciada, mas não determinada, pelas boas obras, uma doutrina que pode ser resumida na fórmula "fé produz justificação e boas obras".

Em contraste, a fórmula Católica Romana declara que "a fé e as boas obras rendem justificação". O argumento católico é baseado na Epístola de Tiago (Tiago 2.14,17):
“De que serve, meus irmãos, se alguém disser que tem fé se não tiver obras? Acaso pode essa fé salvá-lo?
Se um irmão ou uma irmã estiverem nus e necessitarem do pão quotidiano,
E algum de vós lhes disser: "Ide em paz, aquentai-vos e saciai-vos," e não lhes derdes o que é necessário para o corpo, que lhes aproveita?
Assim também a fé, se não tiver obras, é morta em si mesma.”

É importante a comparação do que católicos e protestantes entendem como "justificação": ambos concordam que o termo invoca a transmissão dos méritos do sacrifício de Cristo aos pecadores e não uma declaração de ausência de pecado. Lutero usou a expressão “simuljustus et peccator” (ao mesmo tempo, justo e pecador). Mas o Catolicismo Romano vê a justificação como uma comunicação da virtude de Deus ao ser humano, limpando-o do pecado e transformando-o realmente em filho de Deus, de modo que não é apenas uma declaração, mas a alma é tornada de fato objetivamente justa.

Se essa alma é verdadeiramente justa, para os católicos, as obras que atuam junto à fé são de todo justas e podem ser utilizadas para registrar méritos remissórios no céu, do mesmo modo que Mateus6.20 nos adverte: “Mas acumulem para vocês tesouros nos céus”.

Por outro lado, a visão protestante da justificação é que a justificação é dom de Deus, por meio da graça imerecida. A fé é resultante do amor e da justiça de Deus, como em 1 João 4.10, que afirma que “Nisto consiste o amor: não em que nós tenhamos amado a Deus, mas em que Ele nos amou e enviou Seu Filho como propiciação por nossos pecados”. Essa justificação é realizada em nós por meio da palavra e dos sacramentos. Lei e evangelho trabalham continuamente para matar nosso ego pecaminoso e gerar uma nova criatura dentro de nós. Esta nova criatura dentro de nós, em essência, é a fé em Cristo.

Se não temos essa fé, somos ímpios. Nesses casos, indulgências ou orações não acrescentam nada e de nada servem. Entretanto, é preciso também entender que todos manifestam, em algum momento, algum tipo de fé (geralmente em si mesmos). Esse é o tipo de fé combatido pelos evangelhos, uma crença que se produz e conquista por nossos próprios esforços, consubstanciado nas boas obras. Por isso precisamos de Deus, que nos amou enquanto éramos infiéis a ele, para destruir essa fé hipócrita e prostituída e substituí-la pelo arrependimento e pela crença na remissão pelo sacrifício e ressurreição de nosso Senhor Jesus Cristo.

A justificação é, então, promovida pela fé que vem de Deus e se manifesta por meio da lei e do evangelho, das obras e sacramentos, e que nos capacita a obedecer a Deus pela fé e pela fé nos habilita a realizar boas obras, do começo ao fim da nossa jornada, como em Romanos 1.17, “Porque no evangelho é revelada a justiça de Deus, uma justiça que do princípio ao fim é pela fé, como está escrito: “o justo viverá pela fé.””.

Portanto, a verdadeira distinção entre as visões protestante e católica não é simplesmente uma questão de "ser declarado justo" versus "ser feito justo", mas sim o meio pelo qual um é justificado. Na teologia católica obras de justiça são consideradas meritórias para a salvação, além da fé, enquanto que na teologia protestante, obras de justiça são vistos como o resultado e evidência de uma verdadeira justificação e regeneração que o crente recebeu somente pela fé.
 No documento fundador da Reforma, as 95 teses, Lutero diz que:
“1 – Dizendo nosso Senhor e Mestre Jesus Cristo: "Arrependei-vos..." (Mateus 4:17) certamente quer que toda a vida dos seus crentes na terra seja contínuo arrependimento.
...
36 – Qualquer cristão que está verdadeiramente contrito tem remissão plena tanto da pena como da culpa, que são suas dívidas, mesmo sem uma carta de indulgência.
...
76 – Afirmamos, pelo contrário, que as indulgências papais não podem anular sequer o menor dos pecados venais no que se refere à sua culpa.
...
95 – E assim esperem mais entrar no Reino dos céus através de muitas tribulações do que facilitados diante de consolações infundadas. (Atos 14:22).”

Além disso, os meios pelos quais uma pessoa recebe a justificação são também uma divisão fundamental entre a crença católica e protestante. Na teologia católica, a fé não é um pré-requisito para a justificação e o meio pelo qual a justificação é aplicada na alma é o sacramento do batismo. Naquele momento, mesmo no caso das crianças, a graça da justificação e santificação são infundidas na alma, tornando o destinatário justificado, antes mesmo que ele exerça sua própria fé (ou, no caso de uma criança recém-nascida, antes mesmo que ele tenha a capacidade de compreender o Evangelho e responder com fé). Para os católicos, a função do batismo é "exoperereoperato" (por obra do ato), e, portanto, é o ato eficaz e suficiente para trazer justificação.  O mesmo ocorre com os já falecidos, para quem a justificação por ser adquirida por outros, mediante intercessão e súplicas post-mortem.

Na teologia protestante, no entanto, a manifestação da fé do indivíduo é absolutamente necessária e é por si mesma a resposta eficiente e suficiente do indivíduo para os efeitos da justificação.

Por fim, apesar de aparentemente divergir, Paulo e Tiago declaram a mesma coisa: que a verdadeira fé salvífica produzirá infalivelmente obras de amor. Tiago utiliza a fé de Abraão para defender a salvação resulta da fé em ação, evidenciada nas obras que resultam do amor e dedicação a Deus. Já Paulo utiliza a fé de Abraão para ratificar sua tese de que a salvação é graça de Deus, mediante o dom da fé, não alcançada por mérito próprio. O ponto em comum, de novo, é o amor, não por acaso, o caminho ainda mais excelente de Paulo.
 
A doutrina Sola Fide é às vezes chamada de princípiomaterial da teologia da Reforma Protestante, porque era a questão doutrinária central para Martinho Lutero e os outros reformadores. Lutero chegou a chamá-la de "doutrina pela qual a igreja permanece ou cai" (em latim: articulusstantis et cadentisecclesiae).

Talvez porque, naquele tempo, decorria diretamente da doutrina da justificação pelo mérito o conceito de que a graça de Deus podia ser tratada como um bem a ser adquirido, daí a venda de indulgências e cargos eclesiásticos. Hoje em dia, essa prática não mais acontece, porém, este conceito ainda está em voga, fazendo-se presente sempre que alguém tenta barganhar algum tipo de graça de Deus, por meio de promessas, sacrifícios ou venda de bênçãos.






Romero Lobo é Coronel da Aeronáutica,
Mestrado em Ciências Políticas,
e autodidata em História das Religiões

Reforma Protestante e Protesto Reformado


Por Romero Lobo

A Reforma Protestante está às vésperas de completar 500 anos. E sendo um movimento que iniciou um processo de tentativa de retorno aos princípios originais da igreja, que tal comemorarmos essa data, conhecendo um pouco mais do que foi a Reforma, e em que se pautaram seus principais expoentes?

A Reforma Protestante foi um movimento reformista cristão, cujo ápice ocorreu no início do século XVI, quando Martinho Lutero, um monge agostiniano, publicou suas 95 teses, em 31 de outubro de 1517, pregando-as na porta da Igreja do Castelo de Wittenberg.
Ele protestava contra diversos pontos da doutrina Igreja Católica Romana Medieval, contestando sobretudo a doutrina de que o perdão de Deus poderia ser adquirido pelo comércio de indulgências, propondo uma reforma no catolicismo romano.

Os princípios fundamentais da Reforma Protestante são conhecidos como os cinco Soli, frases latinas que definem os principais pontos de oposição à doutrina católica:

Sola Fide é o ensinamento de que a justificação, interpretada na teologia protestante como "sendo declarada apenas por Deus"), é recebida somente pela fé, sem qualquer interferência ou necessidade de boas obras, embora na teologia protestante clássica, a fé salvadora é sempre evidenciada, mas não determinada, pelas boas obras.

Sola Scriptura é o ensinamento de que a Bíblia é a única palavra autorizada e inspirada por Deus e é única fonte para a doutrina cristã, sendo acessível a todos.

Solus Christus ou Solo Christo é o ensinamento de que Cristo é o único mediador entre Deus e a humanidade, e que não há salvação através de nenhum outro.

Sola Gratia é o ensinamento de que salvação vem por graça divina ou "favor imerecido" apenas, e não como algo merecido pelo pecador. Isto significa que a salvação é um dom imerecido de Deus por causa de Jesus.

Soli Deo Gloria é o ensinamento de que toda a glória é devida somente a Deus, pois a salvação é realizada unicamente através de sua vontade e ação e não só da toda suficiente expiação de Jesus na cruz, mas também o dom da fé na expiação, que é criada no coração do crente pelo Espírito Santo.

Lutero foi excomungado pela Igreja Católica em virtude dessa controvérsia, porém foi apoiado por vários religiosos e governantes europeus, oque provocou uma revolução religiosa, iniciada na Alemanha, estendendo-se pela Suíça, França, Países Baixos, Reino Unido, Escandinávia e algumas partes do Leste Europeu, principalmente os Países Bálticos e a Hungria.

O resultado da Reforma Protestante foi a divisão da chamada Igreja do Ocidente entre os católicos romanos e os reformados ou protestantes, originando o protestantismo.

Os assim chamados protestantes são também conhecidos, no Brasil, como evangélicos. Aqui, o termo "protestante" é usado para se referir às Igrejas oriundas diretamente e contemporaneamente da Reforma Protestante, como a Luterana, a Presbiteriana, a Anglicana, a Metodista, Batista e a Congregacional. Já o termo "evangélico" é usado para se referir tanto a essas, com exceção da Igreja Anglicana, quanto àquelas indiretamente e/ou posteriormente oriundas da reforma, como as pentecostais e as neopentecostais.

Que tal comemorarmos o ato de coragem de um homem que, em tempos de Inquisição, nos legou as bases do nosso modo de cultuar a Deus, restaurado conforme os fundamentos da igreja primitiva? A cada semana falaremos mais profundamente de cada Soli utilizada por Lutero para defender suas teses e sustentar seu movimento. Espero que seja enriquecedor para você.





Romero Lobo é Coronel da Aeronáutica,
Mestrado em Ciências Políticas,
e autodidata em História das Religiões